quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

Minha Ataraxia


Meus fones de ouvido
Um piano, um pedido –
Não mais que duas mãos –
O resto do mundo, tudo
Minha escatológica
Vizinhança musical
Deixa de existir!
Ficam lá, em seu umbral
Que eu aqui saio do meu
Esqueço que dura hora
Nada mais cobrando mora
E o deus que me esqueceu...
Venho de um distante desafio
: o de vencer a este rio
De correntes balbúrdias
E mentes não menos absurdas
Fujo, em silêncio
O que não quer dizer covardia
Foi mesmo a minha palavra
Esta sim, que se cansou
E fez sua própria afasia
Escrevo solitário, mas ainda de pé
Um nó que me desata
A cada sílaba de pó, cada bravata
Que é isto o que a poesia é
Mexo meus neurônios apenas
Estas coisinhas tão pequenas quanto eu
E vejo o despropósito
Destes putos
De quem acha que está me dando
Seus minutos em depósito
Quando, na verdade, nunca nada me deu
E a música antiga irrompe
Agora em cesuras digitais
Que nós outros, os tais modernos
Gemendo os mesmos verões e invernos
Ainda é que recorremos à ela
Para saber que é melhor
Estar dentro de uma alcova
Ou até mesmo de uma panela
A salvo de tudo o que se mova
E daqueles que se autodenominam
Mutuamente de normais...





quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

Aviso!


Por motivo de apatia
Afetivo vascular
Ou coisa que o valha
O homem que entalha poesia
Hoje não veio trabalhar.



terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Onírica


?
Para onde o sonho te leva
Que paragens de outras realidades
A ter com quais deidades
Ou monstros de qual treva
Para onde o instinto acordado de espanto e apego
Enquanto não mais responde o teu extinto ego.


segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Rabuja


Picaretas, falsos iconoclastas e bicões     
Ventríloquos da fábula midiática
Vergonha errática dos probos e dedicados
Vocês que são nada mais do que meras repetições
Que não passam de enlatados
Que não viram a cor do medo
Subjugados, em segredo, sob o sem dó da voraz saraivada
Vocês que, se fossem um só, este um não seria capaz de nada
Senão deste arremedo, desta sopa aguada
Vocês que são de meia tigela, meia boca
Vocês, homens e mulheres cópia
Imagens vis da inópia, da desdita
Qual será o nome da próxima birita
A que fará cada um de vocês vomitar
Oh! Quem diria, virou "Balada da Apatia Popular"
Qual seria o nome da mais nova onda
Do próximo ratazana musical, a nova catita anencéfala
Photoshopiando a Gioconda em seu mural
Com sua cara de bunda imitando paz e amor     
Ora, façam-me o favor! 
Isto é calunga do mercado fonográfico
Da tendência do momento estatístico
Do movimento virtual horrífico e poético
Que cria monstros quem nem assustam mais ninguém
Onde se esconde, quer dizer, veio de bonde ou de trem?
O pária sensacional que também não irá sobreviver
Mas que a otária multidão terá que absorver
Vocês, filhos e filhas de Deus
Deus? Como assim “Deus”?
Ele que cuide lá dos seus lundus
Por que, por aqui, vou dizendo
Vocês vão tomar nos seus cus
Corja de desocupados de quem a verdadeira arte desistiu
Sim, vocês parte da forja hedionda desta prensa  
E a quem eu digo de lambuja – antes que me fuja e sem ofensa:
Vão todos à puta que os pariu. 



domingo, 27 de janeiro de 2013

Reflexomissiva

Cria deste tempo insólito 
Movo-me de rastro pelas coxias humanas
Tento, dia após dia, numa busca ensimesmada 
Burlar a dor da austera envergadura
Some a identidade que recebi, há muito
De outro alguém que também provavelmente não era
Esconde-se sempre como se num corpo errôneo 
O estranhamento de uma vida inteira, já...
Mas sigo pelos turnos de minhas interrogações
Visto a parva indumentária de ser
Quedo-me roto de caminho, de sol
E de chuva - meu albergue chamado coração 
A memória cansada a quarenta, trinta por cento
Pesado, vai ficando a cada dia este surrado farnel
O passado amarelando deste presente 
Cada vez mais sem tempo para estar onde deveria
E o futuro, o futuro sempre ainda não é nada
Apenas minhas expectativas existem, débeis
À revelia do deus que nos quer fantoches
Desta espécie de arbítrio que nos manipula
Cria deste falso sistema divino
Reinvento-me agarrado ao grotesco arranjo de fé 
Que vem ou não vem dando certo para os outros
Mas que me mantém de pé 
Ainda que cambaleando entre os fios da marionete
Ainda que enganchado sob a luz do canhão seguidor
Que apenas meu rosto assustado ilumina
Bem no centro deste picadeiro que é a vida
Defronte à platéia imune de sua própria ignorância 
E feliz de seu mero desprezo
Sim, um tempo de muitas possibilidades
Que há para adquirir se se pudesse comprar
Um tempo de criaturas siderais e tão antigas
Quanto a existência hominal em si
A vereda através de cujas lentes se vê o espirito 
Por dentro dos olhos falsificados nas capas de revista
O quanta de época que desnuda as pessoas
Nos programas de computador e de televisão 
A moda das novelas super realistas e fantásticas 
Mas que acabam por não dizer nada 
Pois que não é o caso de haver solução. 



sábado, 26 de janeiro de 2013

Luna Colagem


Para palavra
Que tudo é mero
Neste quero ter
Cala sílaba
Brada vívida
A alma toda
Do ser
Pleno luar
Pendurado
Na noite do céu
Sem cansar
De girar
Selenita cor
Infinita dor
Na madrugada
Branca flor
De papel.


sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

Liame


Haverá poesia o suficiente
A dar cabo deste silêncio sem nexo
Reflexo permanente
Da falta de intimidade
Entre os seres que só falam e falam
Por não haver o que dizer
Haverá eternidade
Para este momento presente
Ou luz que vença aos que se calam
Este vácuo e vínculo hiato
Que entre as criaturas se fez erguer.


quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

Uma Dialética


O propósito da aflição
Coração depósito de medo
Um segredo com a condição
De que você revele
Sem que o sangue gele
Que você suporte
Sem sair do prumo
Sem perder o rumo
Sem saber o norte
O contrário da contradição
A verdade revelada
Na mentira consagrada
Pela multidão
A palavra proferida
Pelo ermitão
É montaria sem brida
Nada disso faz sentido
Nem a morte nem a vida
Nem a boca nem o ouvido
Só a sorte de quem tem razão.


quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

Reencarnação


Vai, menino
Vai ter com os teus na seara da quimera
Onde quebram as ondas de tua memória
Na praia serena de um encantamento
Que é só teu
Corre entre as fileiras dos pomares
Sorri extasiado à efígie do teu rosto
No espelho de água pictórica de um lago
Profundo e muito silencioso
Vai, que por onde fores
Irão contigo tuas ilusões de mocidade
Só que agora fazendo todo sentido
Podendo manifestar-se
Existir...                          
Vai, menino
E canta como uma espécie de Davi –
A lira melódica de puro enleio –
Sentado sob a copa de uma sequoia milenar
Que o tempo já não é nada
E é isto o que te fascina!
Sorve o ar frígido desta tua manhã que não passa
Cerra os olhos e viaja, agora em tua metafantasia
Agora em teu sonho dentro do sonho
A tua infância é ancestral
Os teus passos são na areia remota
E ainda estão lá, tão fósseis quão frágeis
Na superfície desta lua sem gravidade
Que habitas em devaneio
Vai, menino
Vai buscar tuas respostas
Para depois deslembrar de tudo
E volta...
Volta para ser este menino que é eterno e que insiste
Mesmo quando em teu corpo exausto e ancião
Faltam-te as forças, em continuar sonhando
Brincando na roda das tuas múltiplas existências.










terça-feira, 22 de janeiro de 2013

Dicotomia

A minha lucidez
É a sua loucura
Que, por sua vez 
É a minha sanidade 
: Aquela verdade 
Que, por não ter cura
Vira realidade
E então se retira
A que se mistura 
À sua verdade
E se transfigura
Até virar mentira. 



segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

O Terreiro das Galinhas Humanas

A tarde espalhando seus dardos
De luz à terra esganiçada e quebradiça
O modo como tudo se move
Os pensamentos fervendo o inapto crânio 
Por dentro da cabeça torpe
Cada gesto é carbono e energia
Cada palavra é quase silêncio e parcimônia 
O suor banha uma espécie de seiva
A raça evolui um tanto disforme
Nesta sentença solar sempre
A um passo da chegada do fim deste mundo
Tudo é por um triz, na tarde que arde absurda
Tudo são nossas ilusões de unicidade e soberania -
E quem diria! - enquanto isso
Galinhas cutucam o chão 
Sorumbáticas, inúteis
Como se fossem gente
Pessoas automáticas cutucam o chão
Pessoas em estranha metempsicose 
Com seus bicos de galinha carijó 
Garimpando migalhas de vida
Na bisonha desmetamorfose
Para continuarem vivas
Para terem força 
Para continuar cutucando 
O mesmo reconhecido chão
E sacudindo o tão antigo pó...


Dedicado a Leonardo Boff.

domingo, 20 de janeiro de 2013

In.Certo


O dia, o dia
Aparentemente normal
Carrega outra fantasia
De que hoje, hoje
Nada é absolutamente fatal.