Nós, animalejos
que, sem amor, morreríamos desde as primeiras horas
Esquecemo-nos
das nossas limitações tão logo a aventura bípede de nossas ilusões
Descartamos nossos
melhores esforços de entendimento e descoberta
A despeito do
grande esforço maior, o de depositar nos outros nossas vãs expectativas
Para nos
tornarmos mestres, depois, muito depois, em também desprezar
Fomos
crianças e toda esta indiferença ainda adormecia-nos por completo
Mesmo nossas
dores mais superficiais, nossos pequenos arranhões e cortes
Naquele tempo
era tudo o que tínhamos como empirismo e material de aprendizado
Estamos
juntos, unidos neste plasma fino de existência líquida que se solidificou
Estamos
irremediavelmente unidos nesta condição de seres parvos de afeição
Comparecemos
, apenas de corpo presente , ao banquete das necessidades alheias
Somos quem
somos dentro dos templos religiosos e proclamamos nosso engajamento
Para então
voltar para casa desolados por nossa indiferença, absortos e concisos
Nós,
escondidos detrás das películas escurecidas de nossa própria incapacidade de
amar
A indigência
dos chamados semelhantes não se lhes nos assemelha em nada
Somente executamos
nosso plano imediato de salvação perante o deus invisível
O deus que
se não fosse nos condenar a nós mesmos, depois disso tudo, também cairia
Vivemos na
simbiose do medo que nos define falsamente como irmãos
Estamos
juntos, de tanto que nossa história vem se repetindo ao longo do fio das eras
Juntos,
unidos pela força inevitável que a incerteza de haver um futuro tem
Talvez por
isso nossas barganhas de caridade, nossas patacas de comoção desenxabida
Passamos com
maior velocidade pelo arredor daqueles pelos quais teríamos de parar
Nós, que precisaríamos
de nossa própria desdita, e, quem sabe, nem mesmo assim
Nós, os
grandes triunfos da natureza, aqueles cuja arrogância autodenominou de eleitos
Usamos quase
todo o potencial de inteligência para que a nossa omissão faça sentido
Caímos em
contradição a cada olhar penalizado que nos leva para longe
Compramos o de
que nem necessitamos com dinheiro que não nos pertence
Pois a pobreza
é um frêmito de mão moribunda para a maioria estarrecedora de nós
O preço que
pagamos para não precisarmos repartir tem nos dilacerado como pessoas
Nossa
vaidade tem se especializado em segregar, nosso medo veste-se com esmero
Enquanto a
transcendência é comercializada em bases de desigualdade e hipocrisia
Enquanto o
significado da palavra amar se mimetiza ao despudor de nosso egoísmo
E as nossas
certezas cada vez mais dependem do quanto suportamos ou não fingir
Juntos,
compilados nesta patética e pegajosa intriga de suscetibilidades arbitrárias
Estamos
juntos belicosamente escrevendo uma história sem protagonistas ou figurantes
Passamos
para os estágios mais pasmosos de intolerância para que se não nos esqueçam
Quando na
verdade o que acontece são meramente nossos próprios contrassensos
Então, pessoas
que se amam separam-se, pois são peneiras por onde só o ódio e orgulho
Ao passo que
outros de nós continuam unidos apenas pelo fatalismo das sílabas fenecidas
Comungamos
com a maioria dos que desconhecem nossas mais intimas aspirações
Somos feitos
do segredo que nos sustenta as fundações e pilastras e estamos cansados
A morte
passou a nos impor seu talho e escapamos dela lançando mão do controle remoto
Ou de tudo
que nos reorganiza com arguta tirania quando o rebanho ameaça se perder
Como se
estivéssemos livres abrimos mão de escolher nosso próprio futuro
E deixamos
que os sistemas que nós mesmos inventamos para nos perdoar nos aniquile
Cursamos
extensas academias e as perguntas dentro de nós apenas se multiplicam
Talvez haja
chegado a hora de finalmente silenciar o que em nós restou de hegemonia
Quem sabe
quantos milênios à nossa frente, as civilizações depois das nebulosas siderais
Para muito
além de nossa mascarada e frágil inferioridade se esconde talvez o verdadeiro
id
Entrecortada
de galáxias a abobada e insistimos que apenas nossa pequenez em todo zimbório
Estamos
juntos e o fogo que nos quer derreter, fundir os ossos por dentro é um
sentimento
Este algo imaterial
que perfaz nosso ser sem ao menos pronunciar-se ou dar seus indícios
A resposta
que, ao abonar-se por redigida, reintegra-se e nos surpreende de nova indagação
Como um
ventre que a si próprio recompõe e é então dilacerado e de novo revive, sucessivo
Uma fábula
que mais se parece com a anedota de um castigo, uma remissiva interminável
Acontece que
ser humano nos imputou a semente da conquista mais implacável: nós próprios
Sermos é-nos
provavelmente o grande e inestimável ultimato que nos impõe esta entrega
E quanto
mais quisermos controlar, mais o tempo se fará deidade, mais percalços
Evitamos os
olhares confrontos, pois as nossas desculpas desgastadas jubilaram, há muito
As ruas
apinhadas roubou-nos o pouco que de nós era tido como sendo identidade
Escondemo-nos
atrás do anonimato das miríades como peças emborcadas em um tabuleiro
Quando
olhamos para nossos filhos pedimos um socorro que não estivemos prontos para
dar
Quando nos
deparamos com o espelho nossa fisionomia nos estranha, amedronta e cobra
Somos o
melhor que a civilização já criou e não sabemos o que fazer para parecer parte
disso
Estamos
juntos a cada tentativa de individualidade que as estatísticas pronunciam burlar
Juntos,
unidos por uma estranha sensação de que hoje é véspera de algo que nos irá redimir
Juntos,
esgarçando nossos erros e acertos enquanto o corpo da civilização não padece
Juntos na
fome, no medo, no incerto amanhã, nas nossas querelas e nos nossos perdões
Estamos
todos nesta embarcação, unidos pela própria natureza de nossa travessia odisseica
Convivas
deste mesmo tombadilho, nós outros, marujos incautos desta nau chamada vida
Aspirantes a
bravos sobreviventes das nossas solitárias tempestades e torrentes interiores
Aprendizes
de um idioma cuja complexidade é exatamente termos o quê e para quem falar
Estamos
juntos como se o mundo estivesse a ponto de extinguir-se e nós olhando para o
céu
Juntos,
condoídos por só conhecermos realmente o cerne de nossa imensa e irônica solidão.
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