quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

Ela, o Pesadelo


Um sussurro sopra que devo continuar 
Minhas juntas travadas riscam passos na areia frouxa
Há um mar que agora já não me diz mais nada
Um dorso de recordação que lançou-me para longe
Fugindo logo após, a montaria desgarrada
O sol fustigaste é meu único companheiro
O vento traz olores 
acres e ancestrais
Deita-se uma lagoa à frente, apenas minha mirabolante visão 
Sombram coqueiros de dentro para fora da ficção 
Movo-me com dificuldade, sem pressa, larga
Colada em silhueta ao fundo do céu de prata da pintura realista
Que me leva. Meu destino é não chegar nunca
Meus olhos semicerrados secam o ar de sal e luz
O suprimento do que acredito está quase no fim
Mas continuo sempre e sempre, adiante as pegadas
O milagre é a própria existência em que persisto
O branco da praia é neve de vertigem e desejo
Como se outra modalidade de morte
Não aquela: os abutres subindo as térmicas
Carregando os pequenos pedaços meus
Indo alimentar os filhotes com o tecido desforme, suculento
Mas inda resta muita vida, meus olhos, os pulmões 
Inda corre o sangue que o coração indiferente filtra
Muito da longínqua e temida autofagia
Toda uma cartografia de dunas a cruzar, sedenta
Até acordar – o susto espasmado – molhada de suor
Após a eternidade daquela fração de segundos
No úmido calor urbano das três da manhã.




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