quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

O Manifesto Daquilo Que Nos Une

Estamos juntos, unidos pela nossa ascendência tão humana
Nós, animalejos que, sem amor, morreríamos desde as primeiras horas
Esquecemo-nos das nossas limitações tão logo a aventura bípede de nossas ilusões
Descartamos nossos melhores esforços de entendimento e descoberta
A despeito do grande esforço maior, o de depositar nos outros nossas vãs expectativas
Para nos tornarmos mestres, depois, muito depois, em também desprezar
Fomos crianças e toda esta indiferença ainda adormecia-nos por completo
Mesmo nossas dores mais superficiais, nossos pequenos arranhões e cortes
Naquele tempo era tudo o que tínhamos como empirismo e material de aprendizado
Estamos juntos, unidos neste plasma fino de existência líquida que se solidificou
Estamos irremediavelmente unidos nesta condição de seres parvos de afeição
Comparecemos , apenas de corpo presente , ao banquete das necessidades alheias
Somos quem somos dentro dos templos religiosos e proclamamos nosso engajamento
Para então voltar para casa desolados por nossa indiferença, absortos e concisos
Nós, escondidos detrás das películas escurecidas de nossa própria incapacidade de amar
A indigência dos chamados semelhantes não se lhes nos assemelha em nada
Somente executamos nosso plano imediato de salvação perante o deus invisível
O deus que se não fosse nos condenar a nós mesmos, depois disso tudo, também cairia
Vivemos na simbiose do medo que nos define falsamente como irmãos
Estamos juntos, de tanto que nossa história vem se repetindo ao longo do fio das eras
Juntos, unidos pela força inevitável que a incerteza de haver um futuro tem
Talvez por isso nossas barganhas de caridade, nossas patacas de comoção desenxabida
Passamos com maior velocidade pelo arredor daqueles pelos quais teríamos de parar
Nós, que precisaríamos de nossa própria desdita, e, quem sabe, nem mesmo assim
Nós, os grandes triunfos da natureza, aqueles cuja arrogância autodenominou de eleitos
Usamos quase todo o potencial de inteligência para que a nossa omissão faça sentido
Caímos em contradição a cada olhar penalizado que nos leva para longe
Compramos o de que nem necessitamos com dinheiro que não nos pertence
Pois a pobreza é um frêmito de mão moribunda para a maioria estarrecedora de nós
O preço que pagamos para não precisarmos repartir tem nos dilacerado como pessoas
Nossa vaidade tem se especializado em segregar, nosso medo veste-se com esmero
Enquanto a transcendência é comercializada em bases de desigualdade e hipocrisia
Enquanto o significado da palavra amar se mimetiza ao despudor de nosso egoísmo
E as nossas certezas cada vez mais dependem do quanto suportamos ou não fingir
Juntos, compilados nesta patética e pegajosa intriga de suscetibilidades arbitrárias
Estamos juntos belicosamente escrevendo uma história sem protagonistas ou figurantes
Passamos para os estágios mais pasmosos de intolerância para que se não nos esqueçam
Quando na verdade o que acontece são meramente nossos próprios contrassensos
Então, pessoas que se amam separam-se, pois são peneiras por onde só o ódio e orgulho
Ao passo que outros de nós continuam unidos apenas pelo fatalismo das sílabas fenecidas
Comungamos com a maioria dos que desconhecem nossas mais intimas aspirações
Somos feitos do segredo que nos sustenta as fundações e pilastras e estamos cansados
A morte passou a nos impor seu talho e escapamos dela lançando mão do controle remoto
Ou de tudo que nos reorganiza com arguta tirania quando o rebanho ameaça se perder
Como se estivéssemos livres abrimos mão de escolher nosso próprio futuro
E deixamos que os sistemas que nós mesmos inventamos para nos perdoar nos aniquile
Cursamos extensas academias e as perguntas dentro de nós apenas se multiplicam
Talvez haja chegado a hora de finalmente silenciar o que em nós restou de hegemonia
Quem sabe quantos milênios à nossa frente, as civilizações depois das nebulosas siderais
Para muito além de nossa mascarada e frágil inferioridade se esconde talvez o verdadeiro id
Entrecortada de galáxias a abobada e insistimos que apenas nossa pequenez em todo zimbório
Estamos juntos e o fogo que nos quer derreter, fundir os ossos por dentro é um sentimento
Este algo imaterial que perfaz nosso ser sem ao menos pronunciar-se ou dar seus indícios
A resposta que, ao abonar-se por redigida, reintegra-se e nos surpreende de nova indagação
Como um ventre que a si próprio recompõe e é então dilacerado e de novo revive, sucessivo
Uma fábula que mais se parece com a anedota de um castigo, uma remissiva interminável
Acontece que ser humano nos imputou a semente da conquista mais implacável: nós próprios
Sermos é-nos provavelmente o grande e inestimável ultimato que nos impõe esta entrega
E quanto mais quisermos controlar, mais o tempo se fará deidade, mais percalços
Evitamos os olhares confrontos, pois as nossas desculpas desgastadas jubilaram, há muito
As ruas apinhadas roubou-nos o pouco que de nós era tido como sendo identidade
Escondemo-nos atrás do anonimato das miríades como peças emborcadas em um tabuleiro
Quando olhamos para nossos filhos pedimos um socorro que não estivemos prontos para dar
Quando nos deparamos com o espelho nossa fisionomia nos estranha, amedronta e cobra
Somos o melhor que a civilização já criou e não sabemos o que fazer para parecer parte disso
Estamos juntos a cada tentativa de individualidade que as estatísticas pronunciam burlar
Juntos, unidos por uma estranha sensação de que hoje é véspera de algo que nos irá redimir
Juntos, esgarçando nossos erros e acertos enquanto o corpo da civilização não padece
Juntos na fome, no medo, no incerto amanhã, nas nossas querelas e nos nossos perdões
Estamos todos nesta embarcação, unidos pela própria natureza de nossa travessia odisseica
Convivas deste mesmo tombadilho, nós outros, marujos incautos desta nau chamada vida
Aspirantes a bravos sobreviventes das nossas solitárias tempestades e torrentes interiores
Aprendizes de um idioma cuja complexidade é exatamente termos o quê e para quem falar
Estamos juntos como se o mundo estivesse a ponto de extinguir-se e nós olhando para o céu
Juntos, condoídos por só conhecermos realmente o cerne de nossa imensa e irônica solidão. 


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